O que o autoconhecimento coletivo te ensina sobre o mundo

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O que você vai ler nesse artigo

Existe um movimento muito forte da busca pelo autoconhecimento, mas vamos conversar também sobre o autoconhecimento coletivo? O primeiro visa muito olhar para si, para dentro de você mesma, de se observar e aprender sobre você mesma. Mas nós somos seres coletivos, e existe também um lugar no mundo que ocupamos, como o nosso corpo vive esse mundo.

Já escrevi um texto maior aqui com uma conversa sincera sobre autoconhecimento, onde abordo alguns tabus. Existem também diversos relatos de viajantes sobre autoconhecimento, mas costumam ser de uma forma focada mais no individual.

Mas, nesse daqui, queria abordar o outro lado dele, o que não é interno, é externo. Esse movimento individual onde acabamos concentrando os aprendizados sobre nós muitas vezes pode nos fechar para observar o que tem a nossa volta. Mas o que a nossa história, o nosso corpo, nos faz viver esse mundo de outra maneira?

E eu apelidei isso de autoconhecimento coletivo, porque é sobre você, mas é sobre você E o outro, o externo.

Essa é uma série sobre autoconhecimento que fizemos aqui no Elas. Confira os outros artigos:

#1 | Como aliar a viagem sozinha no seu processo de autoconhecimento?

#2 | Por um autoconhecimento mais realista: 15 armadilhas

#3 | O que autoconhecimento coletivo te ensina sobre o mundo [você está aqui]

Movimento do individualismo

Hoje em dia existem tantas pautas que levantam o individualismo nas pessoas que por um lado é bom, porque é importante que a gente olhe para nós com carinho e cuidado. Por outro lado, isso pode nos fazer olhar tanto para nós que esquecemos de olhar pro outro também. Um não exclui o outro, você pode e deve se autoconhecer, mas é essencial que a gente também olhe pra fora de nós.

Discursos excessivos de autoconhecimentos podem nos fazer esquecer do que tem fora de nós.

A própria rede social faz com que tudo seja sobre nós, a nossa forma de ver o mundo, o que vivemos e vamos mostrar pro outro. É criar até a sua própria realidade ali, a imagem de si que você quer mostrar pro mundo lá fora.

Olhar e aprender com o outro

Dou esse nome de coletivo porque ao invés de aprender com você, você vai aprender com outros. Vai entrar em contato com outras realidades, com outras histórias. Estar aprendendo com outras realidades vai te fazer sair dessa história única da nossa bolha. Muitas pessoas nascem e crescem em uma bolha social, racial, cultural muito fechada e não tem muito contato com o diferente disso.

E quando saímos principalmente para viajar, aprendemos muito sobre outras formas de viver e ver a vida. Alguns viajantes julgam por tal coisa ou outra ser feita da forma errada, como na maioria dos países não ter nem um paninho de prato na cozinha. Mas, no fim, desde que não vá ferir ninguém, não existe um errado, muito é cultural mesmo. Como o sal na manga na Colômbia, comer sentado em muitos países na Ásia, privada no chão, e por ai vai.

Como você aprende sobre si olhando pro outro? O que aprende com o outro? O que o outro te diz?

O Perigo da História Única é um livro e TEDTalk de Chimamanda Ngozi Adichie, escritora nigeriana. Nele, ela conta sobre os perigos de não conhecer outras histórias diferentes da sua. De viver numa bolha, de invalidar discursos e histórias de vida de outras pessoas. E também da importância de contarmos as nossas histórias, por mais “comuns” que elas possam parecer para nós.

Autoconhecimento coletivo

Eu chamo isso de AUTOconhecimento coletivo porque você ainda está se observando, se olhando, mas no externo. Qual é o lugar que o seu corpo tem no mundo? Como ser uma pessoa branca / negra / indígena / asiática muda a sua experiência de mundo? E se você fosse trans?

Um simples exercício de observação de outras histórias vai te mostrar que o seu corpo também constrói as histórias que você vive. E reconhecer dificuldades e privilégios faz parte de se conhecer como pessoa nesse mundo, que faz parte de um coletivo. Olhar para fora e não somente para dentro de você.

Empatia e reconhecimento

Ouvindo e aprendendo com as histórias dos outros, você consegue ter mais empatia pelo outro, não invalidar o que a pessoa viveu. Ao ouvir tantas outras diferentes histórias e observar padrões nelas, ver que em pessoas que pertencem a um mesmo grupo as histórias tem muitas semelhanças, você entende que aquilo faz parte de algo maior. Em como a sociedade as trata.

Por exemplo, nós, como mulheres sabemos o que é o machismo no nosso dia a dia. Por mais que muitas não saibam identificar as ações da sociedade que sejam machistas, muitas também vivem em classes sociais e se sentem blindadas a isso. Mas a maioria das mulheres brasileiras reconhecem que vivem uma sociedade machista e os homens também reconhecem isso. E podemos até reproduzir isso.

E, inclusive, você começa a reconhecer os privilégios que tem. Seja por ser uma mulher branca, sabendo que se fosse negra teriam diferentes tipos de desafios no dia a dia. Que por ter nascido em tal classe social, teve mais acessos a educação, saúde, segurança, e até tempo de lazer, e uma infância feliz e brincante.

Autoconhecimento coletivo com ação

E não só a ter empatia, como também fazer algo para ativamente mudar isso, ser parte da mudança na sociedade. Não adianta entender que mulheres indígenas, muçulmanas, pessoas com deficiências, trans, tem desafios diferentes dos seus e reforçar esses desafios para elas.

Se tiver uma oportunidade para oferecer a alguém e puder retirar obstáculos para essas pessoas terem acesso a isso, faça. Se presenciar alguém reforçando estereótipo de um grupo de pessoas, fazendo piadas preconceituosas, não dê risada, corrija a pessoa. Contrate pessoas marginalizados pelo mercado de trabalho para um emprego ou comprar um produto, serviço delas.

Como bem disse a filósofa Angela Davis, “numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”. Não adianta reconhecermos nossos privilégios e continuar reforçando as dificuldades que outras pessoas passam. É preciso reconhecer e agir.

E como levar outras pessoas para ocupar esses mesmos espaços que eu tenho acesso?

Seu lugar no mundo

Ouvindo todas as histórias, observando sua história e trajetória de vida, o seu corpo: qual é o seu lugar no mundo?

Eu, como mulher, branca, cis, sei que tenho espaços em que meu corpo é muito mais aceito do que se eu fosse uma mulher trans negra. O meu corpo também vai me contar sobre quem sou, e ele vai me contar sobre o meu lugar na sociedade, como tenho privilégios e acesso. Mas, como disse no tópico anterior: como usar esses acessos e privilégios para trazer outras pessoas que não estão nesses espaços?

Autoconhecimento coletivo na viagem

Como que isso muda o nosso olhar pra viagem?

A partir desse olhar mais de tentar entender a realidade, os contextos, as histórias dos outros, a tendência é julgar mesmo. Muitos viajantes vão com a ideia de impor a própria cultura, de achar que existem culturas “melhores” e outras “piores”.

Aliás, um assunto para um outro texto seria a descolonização do nosso olhar de viajante. Parar de ver países colonizadores como referências únicas do que é bom e países colonizados como negativos, ruins, atrasados.

Quando deixamos para trás esses julgamentos, podemos aprender de fato com aquela cultura e aquelas pessoas diferentes de nós. Inclusive, podemos aprender tanto que nos identificamos mais com outras culturas do que com a nossa própria.

Nesse texto a Alana Belei compartilha numa pequena crônica as tantas coisas que aprendeu e gostou nos lugares por onde passou. E só passaremos por essa experiência se estivermos livres de julgamentos e imposições.

Respeito ao desconhecido

Quando viajamos muitas vezes já carregamos estereótipos de alguns lugares. Tal lugar é uma bagunça, a comida de lá dá intoxicação, tudo é perfeito e organizado, o cheiro é insuportável, a comida é incrível e por ai vai. Tem estereótipos negativos e outros positivos, mas carregamos ele com a gente.

Existe uma frase do escritor Mark Twain: “viajar é fatal para o preconceito, a intolerância e ideias limitadas”. No entanto, se formos de cabeça fechada e dispostos a confirmar o que acreditamos que aquele país seja, grandes chances de só reforçarmos esse pré-conceito. Não nos abrirmos para todo o novo e diferente que aquele lugar tem para mostrar. Esse texto aqui da Luísa Ferreira do Janelas Abertas fala isso de uma forma bem simples! 

Até para entender também o contexto daquelas pessoas. O que na história daquele país explica o motivo das pessoas não terem acesso à saneamento básico para todos? Como que é o acesso à educação no lugar que explica as tantas crianças trabalhando na rua?

A partir de um olhar curioso e questionador, ao invés de julgador, podemos nos aprofundar nos lugares por onde passamos. Isso vai além, então aprofundarei mais em outro texto!

Ferramentas do autoconhecimento coletivo

Não existe uma receita ou fórmula mágica, porque tudo vai depender do seu contexto, de onde vive, da sua cor, classe social, religião e por ai vai. Mas tem o famoso conselho clichê: escute pessoas fora da sua bolha, de outra classe social, de outra cor, outras religiões, outros estados, outras histórias de vida.

Faça o teste do pescoço: veja quanta são as pessoas negras que vão nos lugares que você frequenta, se elas estão consumindo e se divertindo ou se estão trabalhando e servindo. O teste de observar se os lugares que você vai são inclusivos para pessoas com deficiência, quais os desafios diários que você teria se precisasse prestar atenção nisso.

Quais são as “piadas” preconceituosas que escuta sobre tal religião, estado do Brasil, será que realmente é assim? E se você nascesse e tivesse atração pelo mesmo sexo, será que se sentiria confortável em dar um abraço no seu amor em público?

Abra um novo horizonte cultural.

Leia livros de outros países, filmes, documentários. Hollywood dos Estados Unidos e Bollywood da Índia todos conhecem, mas e Nollywood da Nigéria? Ou o Studio Ghibli, do Japão, que faz desenhos infantis incríveis e emocionantes como a Disney faz aqui no Ocidente. Até mesmo nas nas músicas que consome, outros gêneros, cantores.

Se questione sobre o que seria viver outras realidades. Seja uma curiosa do mundo, diminua as suas certezas dele e esteja mais aberta a escutar o outro.

Por fim

A mensagem que eu quero deixar aqui não é a de que o autoconhecimento individual, que olha pra si seja menos importante. O ideal é que os dois andem lado a lado, nos observemos internamente e também no mundo. Reconhecermos isso, sabermos as ferramentas e desafios que temos a partir disso. E como podemos abrir novos espaços para outras pessoas também.

Espero que esse artigo não tenha te assustado, porque a intenção aqui é abrir uma reflexão para o tal autoconhecimento que tanto falamos hoje em dia. Abrir para o coletivo, para o outro, para o que podemos aprender quando diminuímos ou tiramos os julgamentos, quando entendemos privilégios e desigualdades.

O mundo é fascinante, mas estar aberta para aprender com o novo engrandece a experiência.

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