Entrar sozinha num quarto misto de hostel pode ser assustador, mas também pode ser uma experiência maravilhosa. Nesse texto aqui eu compartilho com você a minha história mais marcante de quarto de hostel mistos, e que também foi na minha primeira longa viagem sozinha.
Sozinha em Buenos Aires
Buenos Aires, Argentina | Dezembro, 2017 – Lanna Sanches
Consegui o Wifi do porto do ferry de Colônia do Sacramento, Uruguai, e cheguei a Buenos Aires, Argentina. Li a mensagem de que o meu Couchsurfing tinha cancelado a estadia. O desespero bateu porque já era domingo final de tarde e eu eu não tinha teto para passar a noite.
Por sorte estava tudo aberto e andei até descobrir que aos domingos tem a Feirinha de San Telmo. Andei até ter fome e, por azar, as tendas de comida da Feirinha só aceitavam dinheiro e eu ainda não tinha trocado os pesos argentinos. Fui recorrer às pequenas lojas 24h que vendem besteirinhas.
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Estava comendo umas empanadas quando dois argentinos sentaram na mesa. Tudo bem, era uma mesa para quatro pessoas. Começaram a puxar papo estranho, “fala espanhol? Tá sozinha? Quem está com você? E essa mala aí? Você é de onde?” Perguntas que eu não queria responder, mas ficar quieta também não parecia ajudar.
Entrei no Wifi, apertei as mochilas entre as pernas, e comecei a ver se alguém tinha respondido no Couchsurfing. Ninguém. Fui para o app Maps.Me buscar hostels baratos, achei. Enquanto eles falavam comigo, faziam piadinhas, eu decorei o caminho.
Eu já até sentia o coração na boca. Vi que não tinha fila para pagar, joguei a bolsa nas costas, separei o cartão pra pagar e fui. O que estava do meu lado colocou a mão na minha cadeira e pediu para ficar, que eles não iriam fazer nada. Riam enquanto eu saia. Voei até o hostel sem me perder (o que o medo não faz né?).
Cheguei no hostel, só tinha uma cama disponível num quarto de oito pessoas.
“Mas são sete homens, tudo bem?”
A única mulher do quarto
Eu estava morrendo de sono, minhas costas já estavam me matando. Por mais que eu quisesse recusar a oferta, não tinha como sair procurando outro hostel. Aceitei. O moço da recepção me acompanhou até a porta do quarto 210 enquanto me explicava as regras do hostel: “não pode beber aqui dentro, principalmente dentro dos quartos, a cozinha funciona das 7h às 22h, silêncio depois das 22h.”
Foi só abrir a porta e nos deparamos com quatro homens de cueca bebendo cerveja e escutando música num alto falante. Está duvidando disso? O @yo.moyaro e @mattlamb (meus dois xodós) podem confirmar essa informação!
Na hora, eu pensei: “P#@%&$!”. Sem força nenhuma de falar algo, entrei, joguei as minhas coisas no chão e tirei a toalha para tomar banho. Começamos a conversar e eles estavam se arrumando para uma festa, na qual fui convidada, mas não fui. Dia seguinte conversamos mais, três eram da Nova Zelândia e um da França.
Amizades improváveis
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Passamos quase uma semana juntos no total. Fomos para parques, museus, comemos muitas empanadas baratas, ensinei forró (porque 3 deles iam pro Brasil depois), ensinei um pouco do melhor do português (oi, sumida!), pegamos as sobras de pizzas de uma mesa ao lado enquanto o garçom ria da gente, fui tradutora em cantadas deles para outras meninas, fui protegida num bar por eles depois que bebi, reencontrei um deles duas vezes, dois deles ainda conheceram a minha família no Brasil.
Fui a tradutora deles, e a que sabia os passeios turísticos para fazer na cidade. Tenho o hábito de escrever o que as pessoas contaram sobre mim num caderninho, e com Jack ouvi que eu era uma líder de grupos. De outro, ouvi que eu tinha conselhos de mãe, e até falava para prestarem atenção quando fossem atravessa a rua por San Telmo. Ainda mais por serem 4 homens e 1 mulher, tendemos a cair no papel maternal do cuidado, e ele foi a primeira pessoa que me apontou isso. O Roman, francês, me falou que eu era muito intensa e carinhosa, vivia pedindo abraços. E ele tem total razão, eu sou muito física e “abraçadeira”. Quem me conhece sabe que eu vivo pedindo abracinhos.
Balada com os amigos de hostel
Eles gostavam mais de festa do que eu, só fui duas vezes com eles e ainda voltava antes porque prefiro acordar cedo e ver a cidade de dia. Numa festa em específico encontrei um brasileiro muito simpático e inclusive pedimos pro DJ colocar um forró pra gente dançar na pista, claramente os únicos que sabiam aquele ritmo. Sempre que eu ia até o bar, um deles que conheci no hostel me acompanhava e ficava me escoltando. Uma hora um cara veio atrás de mim meio perto e antes que eu pudesse me virar e afastá-lo, o Matt deu uma empurrada nele e ele mesmo ficou atrás de mim – mantendo uma distância saudável. Ficou esperando minha bebida chegar comigo e voltamos pra encontrar o resto da nossa gangue.
Eu me senti tão confortável em beber com eles que confesso que esse dia acabei passando na conta com o álcool, primeira vez na mochilão. Eles me levaram pro hostel em segurança e sempre se referiam a mim como “little sister”, que é como “irmãzinha”. Eu era a mais nova do grupo e eles eram muito altos, logo ficaram super protetores comigo.
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Um museu pra dar risada
Num dia de manhã eu quis visitar um Museu de Arte Moderna que estava com entrada gratuita e o Roman foi me acompanhar. Era o único acordado, os outros acordavam mais tarde por conta das baladas de noite. Fomos andando até o Museu, cruzamos uns 3km a pé num sol abafado de Buenos Aires, conversando e rindo, parando no caminho. Chegamos e as artes, bom, eram modernas, logo, não eram fáceis de entender.
Por sorte eu estava com o Roman. Ele transformou aquele passeio que seria meio entediante sozinha por não entender nada dos quadros em pura diversão. Criamos uma gincana onde um teria que adivinhar o que era o quadro, e ficávamos chutando e fazendo mil teorias (quase nunca certas).
Viajar sozinha ou acompanhada
Eu amo viajar sozinha, é uma liberdade indescritível. Também gosto de viajar acompanhada, é uma delícia compartilhar momentos.
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Um não exclui o outro, inclusive. Não existe um melhor que o outro. Eu posso gostar mais de um que o outro, mas não quer dizer que eu não goste do outro. Até porque a vida é feita de fases, e não faz sentido me apegar tanto a um estilo de viajar sendo que o que me dá a liberdade é também a possibilidade de mudar. E melhor, de saber quando eu quero o que.
Eu posso amar as delícias de chegar numa cidade sem amarras, de escrever meus dias como quiser, sem hora de compromissos ou ficar cedendo em onde vamos comer ou visitar. E também amar ter alguém para preparar o almoço quando bate aquela preguiça, compartilhar as decisões, ir na rodoviária comprar as passagens, ir ao mercado.
Afinal, a viagem é sobre liberdade, e viajar sozinha é sobre escolher o que você quer e precisa naquele momento. Nesse momento eu estava querendo companhia, e respeitei essa decisão e não me arrependo. Foi uma delícia compartilhar momentos com eles e também ter meus rolês sozinha de conhecer a cidade sem eles.
Família 210
Éramos La Familia 210, o número do nosso quarto. As outras camas iam mudando, mas as nossas se mantinham. Além disso, eu reservava dia pós-dia o mesmo quarto, nunca reservo por muitos dias. A recepcionista era um amor e via que a gente tava tão em sintonia que fazia de tudo para me manter no quarto com eles. Posso dizer que cheguei com o pé atrás no quarto, mas se não fosse por eles eu teria odiado Buenos Aires.