Eu sei que viajar sozinha tem seus perigos

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O que você vai ler nesse artigo

Não tem como negar, ser mulher e viajar sozinha tem sim os seus perigos. Eu não tenho como garantir que vai existir um lugar 100% seguro pra nós. Quatro meses atrás recebemos uma notícia de uma mulher que passou pelo nosso pior pesadelo em um momento que deveria ser especial: o dia que ela deu a luz.

E desde então, sumi das redes sociais e do Elas. O motivo? Como eu posso falar sobre viajar sozinha num mundo como esse? Como eu posso falar para mulheres viajarem para longe da rede de apoio delas? Eu ainda não sei as respostas, mas depois de tantas semanas pensando sobre isso, queria conversar com vocês de peito aberto.

Me lembro da primeira vez que eu desejei ser homem. Eu tinha uns 10 anos e todos os meninos da sala saíram da escola para brincar na rua. Eu não tinha autorização para sair, nenhuma outra menina tinha, mas todos eles tinham. Tinha muito mais espaço lá fora pra correr, tinha muito mais vento no rosto. O pátio estava cheio, sem espaço. O que me restou foi sentar na entrada e ver eles correrem, rirem, competirem. Serem crianças.

Hoje em dia eu entendo que essa tal vontade de ser homem não é porque eu queria ser homem, eu queria ter a liberdade de um. Só a liberdade. Eu só queria poder correr na rua também, brincar de esconde-esconde atrás dos carros, apostar corrida na rua de esquina a esquina. Só isso.

E é claro que eu não culpo meus pais por não me darem autorização para sair da escola. Nem eu mesma me daria autorização para sair da escola aos 10 anos de idade. Mas era tão errado assim querer a liberdade que eles tinham? Aliás, que eles TEM?

Desabafo

Nos últimos meses me senti mal, foi como um soco no estômago ler essa e tantas outras notícias. Paralisei. Me senti como se eu tivesse dando autorização para várias mulheres saírem sozinhas pra rua, pro perigo. Me senti mal por incentivar mulheres, que já são vistas como “vulneráveis”, “doidas” a viajarem sozinhas. Sabemos dos riscos que corremos nas ruas de nossas cidades, que conhecemos, imagine só ir para lugares desconhecidos? E ainda mais os perigos quando viajamos sozinhas?

Segundo a Revista GALILEU sobre o relatório da ONU: “O lugar mais perigoso do mundo para uma mulher não é um beco escuro e sem saída, um campo de batalha ou seu local de trabalho: é a sua própria casa.” Isso porque o número de mulheres que tem suas vidas tiradas por familiares ou parceiros românticos é muito alto no mundo todo. Ou seja, nem as nossas próprias casas significam segurança.

Não é a toa que em muitos blogs de mulheres viajantes lemos: “10 lugares mais seguros para viajar sozinha”, “15 truques de segurança para mulheres viajando sozinhas”, “como viajar sozinha em segurança”. Mas não para por ai, tem também os artigos em muitos meios de comunicação: “dicas para ir na balada sozinha”, “segurança para mulheres no transporte público”, “28 cuidados para mulheres voltar à noite pra casa”. Porque o perigo não está no mundo ou em viajar só, está em ser quem somos: mulheres.

Eu não estou falando que esses artigos não devam existir (inclusive, tem um aqui), a verdade é que eles precisam existir, mas isso só mostra como o mundo ainda nos trata. Por que, no fim, esse tal “medo” que temos, não é de viajar sozinha, é por ser mulher. E mesmo sendo mulheres, e sabermos desses riscos, viajamos sozinhas.

“Loucas, só pode”.

Onde moram os perigos para a mulher que viaja sozinha?

Eu sei que se eu fosse um homem, a minha viagem sozinha seria diferente. Não melhor, nem pior: diferente. Seja para dormir profundamente nos quartos mistos e ônibus noturno, evitar certas áreas das cidades e trilhas quando sozinha, cuidado dobrado com Couchsurfing, redobrado com caronas, pé atrás ao provar bebidas alcoólicas, andar na rua sozinha à noite, balada…

No fim, muitos desses cuidados também temos que ter na nossa própria cidade, não? Construímos essas medidas de segurança (ou sobrevivência) ainda pequenas e são elas que muitas vezes nos protegem durante a vida. Fingir que liga pra alguém, envia localização, evita ruas escuras, bolsa colada no corpo, usar moletom largo a noite, colocar o cabelo dentro da roupa… quais os truques que você já usa no dia a dia? Como pode usá-los quando for viajar sozinha?

É por você, e por todas que vierem depois de nós ❤️

É até curioso porque no começo eu lembro que respondia: “viajar sozinha nem é tão perigoso assim”. O medo na minha cabeça dos possíveis riscos que eu poderia passar eram muito piores do que de fato viajar sozinha.

Enfim, não sou eu que estou colocando ninguém em perigo, porque eu criei o Elas Viajam Sozinhas justamente para nós nos ajudarmos e apoiarmos a realizar os nossos sonhos. Para que a gente possa se ajudar a conquistar o mundo, que você sinta que mesmo viajando sozinha, tem uma comunidade de mulheres aqui te incentivando.

Diferente dessa pequena Lanna ao lado, eu não quis ser homem quando viajei sozinha. Eu queria expandir os limites que eu me coloquei, os limites que me colocaram, e descobri que sou uma mulher muito mais capaz do que eu sequer sonhava.

Que a Lanna pequena se sinta orgulhosa de hoje se sentir livre, apesar de ainda não ter a liberdade de um homem. Mas que, sem dúvida, se sente livre e quer que mais mulheres possam se sentir assim também.

Um convite

Quero te propor um convite: ao invés de só enviarem histórias, relatos, reflexões, envie aqui também DICAS. Quero que você nos conte dicas de planejamento, de estadias, de transportes, de milhas, de finanças, de cicloturismo, de fazer trilha, de saúde, de viajar com filhos… o que seja!

Primeiro, para começar com as dicas, vou deixar duas aqui. Como mulheres lidamos com assédio desde pequenas, e isso nos muda, muda como andamos, como falamos, e até como nos vestimos. “Cada ato de assédio em espaços públicos nos afeta mais do que pensamos: muda nosso comportamento, questiona nossa confiança, diminui nossa autoestima”, segundo a ONG Right To Be.

Segundo pesquisa da ONG feita em 15 países, 88% das mulheres sofreram assédio nas ruas. E por isso, eles organizaram um mini-treinamento online sobre como agir se for assediada ou o que fazer caso ver uma assédio. Esse treinamento vale para nos questionar sobre como nos sentimos nessas situações, possíveis ideias do que fazer. E é muito comum não saber como agir, não se culpe. Mas, lembre-se: jamais, em nenhuma hipótese, nunca é culpa da vítima.

Infelizmente, estou falando de iniciativas para mulheres se protegerem, ao invés de homens se conscientizarem. Mas eu, sinceramente, prefiro ir atrás de saber como me proteger, fazer o que eu quero (como viajar sozinha), do que esperar os homens mudarem… Infelizmente.

Da mesma forma, outra iniciativa que eu recomendo é da jornalista e quadrinista Helo D’Ângelo. Ela estava se sentindo insegura ao andar pelas ruas de São Paulo e resolveu se inscrever numa aula de defesa pessoal. Nas aulas, além de aprender técnicas, o instrutor também a fez se questionar sobre integridade física, espaço seguro, agressividade, e muito mais.

E foi por isso que ela escreveu uma série de 5 capítulos em quadrinhos no Instagram, e que também virou livro pela Editora Bebel Books. Recomendo demais a leitura!

Ou seja, venha contar a sua história, venha dar dicas de viagens para outras mulheres caírem na estrada: vamos nos inspirar, apoiar e ajudar!

Um lembrete pra todas nós

Conhecer mulheres na estrada que me seguraram pela mão, me ensinaram sobre o universo de viajar sozinha, me fez enxergar que eu posso ter mais limitações sim, mas que eu posso realizar os meus sonhos e expandir esses meus limites. E também para que no futuro existam menos perigos para viajar sozinha. O Elas Viajam Sozinhas, o nosso corpo se aventurando pelo mundo sozinhas, abre caminhos para que as futuras gerações tenham mais liberdade que nós.

Eu não acho que toda mulher tenha que viajar sozinha, mas se ela quiser, ela tem o direito de ir e vir em segurança e viajar pelo mundo em sua própria companhia.

Que precisem se vigiar menos, que possam se sentir mais em segurança, estar exposta a menos perigos. Que não sejam chamadas de loucas, e muito menos vistas como frágeis. Quero que elas sejam vistas como mulheres fortes não porque enfrentam os perigos e viajam sozinhas, mas porque são capazes de tantas aventuras e loucuras na sua própria companhia.

Talvez eu não viva esses dias, e nem você, mas quero ajudar na construção de um futuro mais justo.

O Elas Viajam Sozinhas nasceu para que possamos conversar sobre tudo isso. Trocar dicas, ouvir histórias, contar truques, compartilhar sobre segurança, lugares incríveis, reflexões. Não criei o Elas para contar as minhas histórias e dar as minhas dicas, é para toda e qualquer mulher que viaja sozinha possa participar e colaborar. Porque podemos e devemos conhecer esse mundo também. E que o nosso andar hoje abra caminhos para as mulheres que estão vindo depois de nós, assim como tantas outras abriram caminho para nós viajar sozinhas hoje ❤️


Me conte o que acha disso tudo? Vamos conversar! 🔥

Textos que me confortaram ao escrever este desabafo:

Por que viajar sozinha apesar do medo | Por Luísa Ferreira no Janelas Abertas

O medo não é de viajar sozinha, é de ser mulher | Por Mariana Bueno no Mariana Viaja

Agradeça ao feminismo por viajar sozinha | Por Diana Figueiredo no Diana Viaja

Mulheres devem viajar sozinhas pelo mundo? | Por Luiza Antunes no 360 Meridianos

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Respostas de 2

  1. Lanna como amo ler seus artigos…e como me identifico nas dúvidas e conflitos de ser e sonhar ser uma mochileira sem correr riscos…e sabemos que tem. Já viajei sozinha e uma dica que dou é aquilo no que eu acredito, a espiritualidade, sei que é difícil de screditar, mas todos os passos que dei, defrotei com sinais, através de pessoas, energias, caminhos e intuições e só depois q voltava para casa, me deparei com medo, de não ter tido medo, com tantos medos por aí, agora tenho medo, mas sem deixar o medo me amedrontar…e seu artigo ajuda a fazer estas reflexões…Gratidão Bjāo Prô Edna.

    1. Super te entendo, Edna! Eu não sou uma pessoa com religião, mas acredito que sou sim espiritualizada. Eu tenho um contato com a natureza que é o que as religiões chamam de deus, allah, ou outra tradução. É uma visão diferente, mas mesmo assim me traz conforto emocional na viagem 🌻💛 e é isso, não ir completamente sem medo porque ele nos paralisa, mas também não deixar ele tomar conta de nós, das nossas decisões, da nossa vida. Lindo comentário!

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