Crônica de viagem: a senhora com olhos de rio

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O que você vai ler nesse artigo

Nessa crônica de viagem te levo a conhecer a senhora com olhos de rio, a Dona Benvinda, lá em Oriximiná (PA). Depois de ler, me conta o que achou!

Oriximiná, Pará – 2018 | Lanna Sanches

Dona Benvinda tem um nome peculiar, não era a pessoa mais receptiva que eu conheci.

A notícia correu solta lá pelos igarapés da comunidade de Mãe Cué de que iríamos visitar a casa dela, a pessoa mais velha da região. Ela já recebeu tantas visitas que benzia a casa antes da entrada de qualquer estranho, e logo após a saída também. Assim que paramos a rabeta*, ela saiu do meio da mata com ramos de limões e outras plantas que meu olfato de cidade grande não me permitiu identificar.

A casa, assim como as outras da comunidade, era de madeira e tinha escadas para entrar. “Pra quando a água subir não entrar na casa”. Fomos convidados a entrar e tomar uma xícara de café com castanhas do Pará fresquinhas que ela mesma iria abrir para nós. Com dificuldade de enxergar, ela tocava as castanhas e posicionava os dedos exatamente onde queria fazer o corte. Levantava o facão e descia a milímetros do dedo com a maior naturalidade.

Conversa vai, conversa vem, mais café?

A boca desdentada não negava um sorriso e também nenhuma verdade. Lembro que volta e meia ela se referia a nós, pessoas que não eram da comunidade, como “pessoas de fora, não brasileiras”. Demorei um tempo para entender que eu também era uma dessas pessoas de fora que ela se referia. Entendi que os meus traços, brancos, loiros, olhos claros, eram algo que ela não via muito, e que por isso não me reconhecia como brasileira. Quando percebi isso, os elogios ao meu português até fizeram sentido.

Dona Benvinda tinha o rosto marcado pelo sol da Amazônia, as rugas pareciam mais caminhos de rio que se desaguavam nos olhos já cansados. Por curiosidade ou inocência, perguntei quantos anos ela tinha. Ela ficou confusa por um tempo, não me respondeu de bate pronto, só me confidenciou que não sabia, “eu não sei conferir, só sei conferir até 10”.

Naquela região, “conferir” é “contar”, me ajudou um morador da comunidade vendo que era eu que estava com cara de confusa com a resposta. Benvinda se levanta e vai até uma caixinha de papelão que pela aparência já havia atravessado alguns rios. Manchado, com terra seca nas laterais, tampa solta. Dentro tinham documentos e fotos espalhadas. Tirou uma certidão dizendo que a mãe dela fez a certidão quando ela ainda era uma menininha, uns 3 ou 4 anos. Lá constavam 89 anos, eu disse a ela. Benvinda vestiu a camisa dos 92 anos rindo dizendo que nem sabia o que viria depois desse número.

Imagine só que doido, uma vida sem ser contada por anos, e sim contada por uma… vida.

*canoa de madeira com pequeno motor.

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Resposta de 0

  1. Que viagem.
    Você, com os olhos sedentos para apreciar cada detalhe da história, sem interromper, apenas tentando ler nas curvas do olhar fascinante da Dona Benvinda, que aos poucos deu lugar ao acolhimento, e te mostrou muito mais do que você imaginou que encontraria.
    Que demais, você sempre me encantando com tuas peripécias.

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